sexta-feira, 11 de abril de 2008

Viver sempre também cansa! 1931


Viver sempre também cansa!

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada

O mundo se modifica
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes

As paisagens também não se transformam
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exato.

Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem, riem e dirigem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...

E obrigam me a viver até a morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?

Ah se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velaras, meu amor do Norte.

Quando assim viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
{{Matou-se esta manhã
Agora não vou ressuscitar
por uma bagatela}}

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
José Gomes Ferreira

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