terça-feira, 1 de novembro de 2016

Jubileu




Repentinamente despertou em um quarto completamente sem luz ou som, mas repleto de odores. Olhou ao redor como se pudesse ali enxergar ou faltasse a sua visão do sono acordar. O braço lentamente foi tateando o entorno, sentindo a textura e temperatura do tecido onde o corpo esteve, por tanto tempo, inerte. Seguindo, deslizando até encontrar a madeira rija do criado mudo, e depois o frio da porcelana do prato onde repousava uma vela a qual após acesa parece ter preservado uma escuridão ainda leitosa, densa a ponto de quase não dissipar-se, mas o bastante para que reconhecesse ali: O Eu.
Com muito esforço me levanto desse quarto sem formas e caminho por um caminho sem identidade até uma mesa perdida no nada. Me sento e posiciono a vela em seu centro, inclino a cabeça e peso o grau de minha solidão. Literalmente não se escuta som algum, parece até que o tempo parou. Nada menos do que uma ilusão, pois na verdade, com a pele enrugada estou comemorando meu aniversário e nesse mesmo instante noto dois gatos os quais estavam inaudivelmente sobre a mesa me observando. O que será que existe fora desse momento? Fora desse campo de visão desgastado a ponto de sufocar com negritude e solidão sons e cores. Apenas o cheiro pútrido de pele decompondo junto a suor, esperma, mijo e falta de dignidade são perceptíveis.
Ainda por cima a memória não ajuda, são tantos os lapsos que não consigo relacionar o tempo entre pensar e delirar. Uma apatia gritante de onde reflito, e sem conclusão alguma ou lembranças sobre o que estaria pensando me levanto. Arrasto pé ante pé deixando a vela para traz e solto o corpo em queda sobre a cama ainda úmida e fedida. Após despencar feito fruta podre, vou perdendo os sentidos, já não sei se respiro ou estou vivo. Simplesmente me entregando a esse silencio, essa escuridão, esse nada que havia antes do meu nascimento.
Eu me deixo para traz naquela cama...
Mais um ano se passou, mais uma vida, mais um nada para a insignificância da existência.
Talvez quando eu acordar, se houver outra manhã, que seja eu um vegetal e minhas cores se iluminem por si só em um mundo que também não existe e não exista nele a necessidade de sóis e estrelas. Mais uma nova queda – Sono.