Repentinamente despertou em um quarto completamente sem luz
ou som, mas repleto de odores. Olhou ao redor como se pudesse ali enxergar ou
faltasse a sua visão do sono acordar. O braço lentamente foi tateando o
entorno, sentindo a textura e temperatura do tecido onde o corpo esteve, por
tanto tempo, inerte. Seguindo, deslizando até encontrar a madeira rija do criado
mudo, e depois o frio da porcelana do prato onde repousava uma vela a qual após
acesa parece ter preservado uma escuridão ainda leitosa, densa a ponto de quase
não dissipar-se, mas o bastante para que reconhecesse ali: O Eu.
Com muito esforço me levanto desse quarto sem formas e
caminho por um caminho sem identidade até uma mesa perdida no nada. Me sento e
posiciono a vela em seu centro, inclino a cabeça e peso o grau de
minha solidão. Literalmente não se escuta som algum, parece até que o tempo
parou. Nada menos do que uma ilusão, pois na verdade, com a pele enrugada estou
comemorando meu aniversário e nesse mesmo instante noto dois gatos os quais
estavam inaudivelmente sobre a mesa me observando. O que será que existe fora
desse momento? Fora desse campo de visão desgastado a ponto de sufocar com
negritude e solidão sons e cores. Apenas o cheiro pútrido de pele decompondo
junto a suor, esperma, mijo e falta de dignidade são perceptíveis.
Ainda por cima a memória não ajuda, são tantos os lapsos que
não consigo relacionar o tempo entre pensar e delirar. Uma apatia gritante de
onde reflito, e sem conclusão alguma ou lembranças sobre o que estaria pensando
me levanto. Arrasto pé ante pé deixando a vela para traz e solto o corpo em
queda sobre a cama ainda úmida e fedida. Após despencar feito fruta podre, vou
perdendo os sentidos, já não sei se respiro ou estou vivo. Simplesmente me
entregando a esse silencio, essa escuridão, esse nada que havia antes do meu
nascimento.
Eu me deixo para traz naquela cama...
Mais um ano se passou, mais uma vida, mais um nada para a insignificância
da existência.
Talvez quando eu acordar, se houver outra manhã, que seja eu
um vegetal e minhas cores se iluminem por si só em um mundo que também não
existe e não exista nele a necessidade de sóis e estrelas. Mais uma nova queda –
Sono.
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